domingo, 21 de novembro de 2010

A écharpe




- Mais essa agora!
A chuva despencou sobre a cidade e surpreendeu a todos.
- De onde vem essa chuva? Agorinha mesmo o céu estava azulzinho!
Procurou abrigo sob a marquise onde dezenas de pessoas já se aglomeravam. Subitamente a chuva parou. Ninguém entendeu nada. Alguém começou a falar sobre o aquecimento global. Apressou-se em sair dali. Deu o primeiro passo e foi bruscamente detida.
- Cuidado! Vai arrancar o botão do paletó!
Não sabia como, mas sua écharpe havia se enroscado perigosamente num blazer ao lado. Ficou apreensiva temendo por seu lindo acessório importado. Delicadamente desfez o nó e saiu em direção à rua.

O homem atravessou a rua com os passos mais largos que podia dar em meio aquela multidão apressada. A porta giratória o irritou. No elevador, o ascensorista lhe cumprimenta. Responde com um grunhido. Gentilmente, o rapaz lhe informa que o botão está quase caindo.
- Maldição!
A secretária segura no ar o paletó e ouve a ordem para que dê um jeito na situação. O homem bate a porta.

A mulher está num elegantíssimo banheiro feminino. Diante do espelho respira fundo. Tenta em vão se acalmar. Ajeita-se.  Põe a ansiedade sob controle e sai. Cabeça erguida, salto alto, elegante! Olha enfrentando os próprios medos, não percebe a porta que se abre, o homem que sai, e esbarra nele. Pede desculpas. Não ouve resposta, mas não dá importância. Precisa se concentrar. Segue pelo infinito corredor.

A secretária traz o paletó. Ele o veste. Sua irritação é visível.
A sala está cheia. Todos esperam pela apresentação do novo diretor financeiro. Ninguém imagina quem é. O medo provoca os boatos mais estapafúrdios. O certo é que todos estão nervosos. Haverá cortes drásticos. O homem imagina que depois de um dia como aquele, tudo pode acontecer. Enquanto alguns suavizam a expectativa, ele a detesta!

Ela entra na sala. Cabeça erguida, salto alto, uma bela écharpe com franjas. Elegante! É apresentada como a nova diretora financeira. Segura de si, começa seu discurso de apresentação falando sobre seus tropeços do dia e simpaticamente diz acreditar ser sinal de boa sorte.
Um largo sorriso acompanha a sua apresentação. Gestos contidos, estudados vão despertando em todos confiança. A tensão diminui.
Um pequeno coquetel é servido. Todos cumprimentam a nova diretora. O homem fica por último. Ela , sem dúvida, fora o motivo de parte dos seus aborrecimentos do dia. E agora ele sabe: do mês e da semana também. Aproxima-se, estende a mão. Ela para por segundos. Está visivelmente constrangida quando segura a mão dele. Sorri.
- Reconheci seu botão. Desculpe-me...
Ele a interrompe.
- Não foi nada! Acontece.
- Vamos trabalhar juntos, né? Soube que você é o homem da criação.
Ele se sente um idiota diante de tanta simpatia.
-Vamos sim.
Sorri tentando quebrar a péssima impressão que só ele sabe que deixou.
-Acho que vamos nos dar muito bem.
- Espero que sim.
Brindam juntos a um novo começo sem atropelos.
De longe, sem ser notado o Destino sorri. Havia conseguido juntar os dois.

2 comentários:

  1. Olá Valéria, que bela crônica ! Parabéns! Essa cenas do cotidiano rendem , muitas vezes, belas histórias de amor, não é? Ah...eu esqueci de falar sobre a chuva.Ela tem vindo assim mesmo. Chega sem avisar e sem a menor cerimônia, não é Valéria?
    Um beijo e parabéns pelo blog.

    Muito obrigada pela visita e por estar entre os amigos que me visitam. Já estou aqui também.

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