- A vida pode ser melhor que o sonho?
A pergunta soou estranha. Estavam na cozinha envolvidas com os preparativos de um almoço em família. Uma picando temperos, a outra no fogão fazendo uma farofa maravilhosa.
Os aromas na cozinha despertavam sensações perdidas na lembrança: festas de aniversário, crianças correndo, festas de natal com todo mundo reunido. Ano novo! Quando ela terminava as rabanadas pouco antes da meia-noite, apavorada com medo de passar o ano na cozinha.
Na panela, tempero verde, cebola, alho, manteiga, cenoura e por fim a farinha. No forno o cheiro do assado. Do espesso molho, que a todo o momento é generosamente espalhado sobre a carne.
As crianças correm pelo quintal. De vez em quando uma entra e rouba alguma coisa na cozinha. Molecagem pura! Na sala, o marido e o genro assistem à tv e conversam animadamente. Serve-lhes uns petiscos para acompanhar a cervejinha.
A ampla sala, sempre bem arrumada, tem um gostoso desalinho do tempo dos filhos pequenos. O barulho do portão anuncia a chegada do filho, dos outros netos e da nora. Família completa! O filho logo se reúne na sala. Mais cerveja! A nora vem trazendo os ingredientes para a sobremesa. A única coisa que faz na cozinha. Estão animadas.
Gemas, açúcar, coco ralado, manteiga. No fogo uma calda fervente em ponto de fio. As forminhas espalhadas sobre a mesa são untadas e polvilhadas com açúcar. Entram no forno em banho-maria.
Olha para a filha arrumando os pratos com esmero. Fazendo uma delicada flor com a beterraba que vai sobre a maionese, enfeitando o assado com farofa e coloridas tiras de pimentão, salpicando cheiro-verde sobre o arroz. Até a nora faz seus quindins com visível prazer.
A campainha toca. Estranhamente, os homens não a atendem. Chamam por ela. No portão um rapaz está escondido atrás de um belíssimo vaso de orquídea. Adora orquídeas! Emociona-se. Presente do marido. Todos a observam da varanda.
Reúnem-se em torno da mesa cuidadosamente arrumada. Falam alto, disputam a comida, riem, deixam cair migalhas sobre a mesa e no chão. Mais uma vez, ela tudo observa.
Depois do almoço, as crianças tiram a mesa e arrumam a sala. Os maridos lavam a louça.
Juntas, na varanda, as mulheres são cúmplices de um mudo acordo. Cada uma, ao seu jeito, mantém unida a família. Entreolham-se ao ouvir o barulho que vem da casa. Sorriem.
-A vida pode sim ser melhor! Cada vez melhor que o sonho!
Esticam-se confortavelmente nas cadeiras de vime, todas com os pés sobre a mesa.
É a hora delas tomarem cervejinhas e fazerem fofoca.
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