Entre contos
segunda-feira, 30 de junho de 2014
Resposta
'O dia chegara com olhos inchados. A noite fora extremamente longa.
Óculos escuros era a única solução possível para enfrentar o cruel sol que explodia do lado de fora.
Que luz era aquela? O dia merecia nuvens carregadas, raios, trovões e até gargalhada de bruxa. Entretanto, o sol brilhava.
A escova de dentes, o banho, o uniforme, o material escolar, os fones no ouvido, o estômago vazio...
Saco! A escola...
Queria estar em qualquer lugar do mundo, menos ali.
O mau humor, o corredor, as escadas, a parede pichada, a boca aberta!
O coração aos pulos, os degraus passando rapidamente, a sala, o lugar na sala, o fichário, o sorriso discreto.
- Quem escreveu “EU TAMBÉM AMO VOCÊ”?
Lá fora o sol começava a fazer sentido.
domingo, 31 de julho de 2011
No espelho
Olhou-se. Encarou-se por longos minutos. Uma lágrima brotou no canto esquerdo/direito dos olhos. Uma chorava de raiva. Outra de arrependimento.
Os estilhaços deram fim às duas.
Na manhã seguinte, uma terceira renascia.Unica!
Emendara-se com os cacos...
terça-feira, 14 de junho de 2011
Voraz
Fico observando uma lagartixa colada no vidro da janela.
Minha mãe diria que ela não tem modos! Arreganhada desse jeito, toda exposta.
Minha filha se arrepiaria, sentiria medo, nojo. Não olharia.
Eu observo. Será que ela sabe que está assim tão exposta, tão vulnerável?
A lagartixa, no entanto, tem os olhos fitos nos insetos do jardim que pululam à luz da lua. Talvez nem se interesse em saber a nossa opinião. Despudoradamente deseja. Dane-se todo o resto.
De vez em quando me serviria ser uma lagartixa. Completamente focada em meus desejos. Grudada na tua janela despudoradamente.
sábado, 16 de abril de 2011
O vinho
- Moço, me dá um vinho pra mulher?
O rapaz da elegante casa de vinhos sorriu.
- Com certeza você vai gostar deste. Depois me conte.
Ela saiu esfuziante. Sua vingança estava pronta! Se a vida era amarga, ela se embriagaria no doce paladar de um vinho suave. Há tanto tempo que não passava dos limites...
sábado, 9 de abril de 2011
Pausa
- O gole tá pronto!
Mal tínhamos acabado de almoçar e ele gritava avisando que tinha acabado de passar o café. Eu subia as escadas que separavam nossas casas, atrás da minha mãe que geralmente ralhava comigo, porque queria que primeiro eu lavasse a louça do almoço. Mas aquele café era especial. Forte! Fortíssimo! não havia açúcar que o adoçasse. Era tomado em canecas de esmalte sempre descascadas em algum ponto. Os adultos aproveitavam a desculpa para fazer uma pausa no meio do dia, geralmente cansativo. Conversavam à beira do fogão à lenha onde ele teimava em fazer o café. A coadeira, o coador, o tanque cheio de roupas, os cachorros deitados no chão, o varal repleto. Todos em pausa pro gole do vô João.
sábado, 26 de março de 2011
Vô João
Lembro-me do meu bisavô. Forte, sacudido, entendedor de ervas, exterminador de formigueiros, cuidador de seus cachorros.
Lembro-me do meu primeiro dia na escola. Na volta ele me perguntou sarcasticamente: “Você aprendeu como e um pé de jiló?” respondi com a soberba de quem achava que a vida se aprendia na escola: “Isso não ensina lá!” E ele com seu jeito desdenhoso e provocante: “Então não serve pra nada! Aprender aritmética e não saber o que é um pé de jiló! Quá!”
Ele adorava implicar comigo ou com todos, mas eram suas receitas de chás e sua disposição de entrar na mata, que ainda havia perto de casa, em busca dos seus matinhos milagrosos, que me tiravam das medonhas crises asmáticas ou curavam as ziquiziras aparecidas na pele, livravam-me dos vermes e das enxaquecas: saião, hortelã, erva-de-são-joão, carobinha, macaé e outras das quais não me lembro.
“Vai chover hoje, vô?” e ele estudava o sentido do vento e respondia certeiramente. A gente saía sem a preocupação de ser surpreendida.
quinta-feira, 10 de março de 2011
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